A obesidade é um dos principais desafios de saúde pública em Portugal, afetando mais de 50% da população. Para além da intervenção nutricional e do exercício físico, a farmacoterapia da obesidade tem ganho relevância como ferramenta de apoio. Neste artigo, exploramos os mecanismos, a evidência científica e as implicações clínicas da utilização de fármacos para perda de peso.
Contexto clínico
A obesidade é atualmente um dos maioress desafios de saúde pública, sendo que em Portugal, mais de 50% da população apresenta excesso de peso e obesidade (1). É sabido que perder peso não é fácil e mantê-lo a longo prazo ainda é mais desafiante, com uma taxa de sucesso bastante baixa e com elevados níveis de reganho de peso (2, 3).
Grande parte da literatura foca-se na perda de peso através de alterações no estilo de vida, isto é, na criação de um défice energético através da redução da ingestão alimentar e/ou aumento da atividade física (4). No entanto, com o passar do tempo, a evidência mostra uma diminuição da adesão às recomendações iniciais, comprometendo assim os resultados esperados (5, 6). Perante este cenário, a terapia farmacológica surge como uma alternativa de suporte, destinada a potenciar a adesão ao tratamento em conjunto com alterações no estilo de vida.
O uso de fármacos no tratamento da obesidade não é novidade, sendo que medicamentos como o Orlistat (durante muito tempo o único aprovado pela Food and Drug Administration) já são utilizados há vários anos. Mais recentemente, assistimos a uma procura crescente por medicamentos originalmente desenvolvidos para a diabetes, como o Ozempic, levando mesmo a ruturas de stock em várias farmácias.
Como é que estes fármacos funcionam?
Estes fármacos atuam mimetizando ou potenciando as incretinas, hormonas intestinais libertadas em resposta à ingestão alimentar e que regulam o metabolismo da glicose. Entre estas, destacam-se a insulina, a glicagina e, sobretudo, o GLP-1, protagonista nos avanços mais recentes da farmacoterapia da obesidade (7-9). (No curso “Fisiopatologia da Obesidade”, a ação destas incretinas são abordadas detalhadamente).
O GLP-1, naturalmente produzido pelo nosso organismo, tem um tempo de vida curto, pois é rapidamente inativado pela enzima DPP-4. Estes fármacos mais recentes, como o Ozempic e o Wegovy (ambos com o princípio ativo semaglutida), são resistentes à ação desta enzima, permanecendo ativos durante mais tempo, o que leva a uma melhoria na regulação da glicemia e aumento da saciedade (8).
O que dizem os estudos?
A literatura mostra que a utilização destes fármacos, associada a uma restrição energética, promove:
- Perda de peso significativa;
- Benefícios no controlo glicémico;
- Redução do risco cardiovascular (10-12).
Contudo, é importa destacar que após a suspensão do tratamento, o reganho ponderal tende a ocorrer, à semelhança do que é reportado em intervenções convencionais (restrição energética) (12). Assim, a ação destes fármacos não é permanente e não resolve o maior desafio clínico da perda de peso: a manutenção do peso perdido a longo prazo.
Será uma abordagem segura?
A resposta mais honesta é: depende. A terapia farmacológica não substitui a dieta e o exercício físico, mas pode ajudar potenciando a adesão e consequentemente facilitando a perda de peso.
Tal como qualquer fármaco, a sua utilização deve ser avaliada de forma crítica, considerando o perfil do paciente. Para além disso, devem ser considerados os seguintes efeitos secundários mais comuns:
- Náuseas e vómitos;
- Alterações gastrointestinais
- Hipoglicemia, em alguns casos específicos;
- Alterações na função pancreática, renal e problemas ao nível da vesícula biliar (menos frequentes) (13).
Desta forma, a avaliação da relação risco-benefício é fundamental, colocando na balança o risco da terapia farmacológica com os riscos da obesidade, de modo a que seja escolhida a opção mais segura.
Atualmente, a utilização destes fármacos está indicada para indivíduos com IMC≥35 kg/m² ou IMC≥30 kg/m² com comorbilidades associadas, pelo que a sua utilização deve ser realizada com critério, em pessoas que realmente beneficiem dela, e com acompanhamento multidisciplinar (médico, nutricionista e outros profissionais de saúde).
Key-points:
- O farmacoterapia parece só se justificar em conjunto com orientação dietética e mudanças de estilo de vida.
- A terapia farmacológica ajuda a aumentar a adesão dos pacientes às alterações no estilo de vida.
- A interrupção do tratamento pode levar a um reganho de peso.
- Os pacientes devem ser acompanhados por uma equipa multidisciplinar, na qual o nutricionista tem um papel fundamental na alteração/educação alimentar do paciente.
Conclusão
Os fármacos para perda de peso constituem uma ferramenta relevante no tratamento da obesidade, mas a sua aplicação deve ser criteriosa e sustentada por evidência científica.
Para o nutricionista e restantes profissionais de saúde, é fundamental compreender os mecanismos, benefícios e limitações desta abordagem, assegurando uma prática clínica baseada na evidência e centrada no paciente.
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