Ouve-se falar cada vez mais em diferentes “métodos” de introdução alimentar e das vantagens e desvantagens de cada um. Mas será que sabes quais as regras base a cumprir, independentemente do “método” escolhido? Vamos conhecer aquilo que deve ser sempre cumprido e o que não devemos recomendar durante a introdução alimentar.
Do “método tradicional” ao “baby-led weaning” (BLW), passando ainda pelo “baby-led introduction to solids” (BLISS).
Será que sabes identificar o método que mais se adequa a cada família? Será que devemos sempre optar apenas por um método específico? Ou será que o ideal é uma mistura de todos, individualizando sempre ao bebé e família em questão?
Deixamos a seguir as respostas práticas a todas estas questões, falando nos aspetos mais importantes a ter em conta: quando começar, ordem de introdução de paladares e cortes e texturas seguros para promover o treino da mastigação sem aumentar o risco de engasgo.
Quando começar a introdução alimentar?
A resposta a esta pergunta é simples: entre os 4 e os 6 meses, quando o bebé tiver os sinais de prontidão necessários. (1,3)
Se a família quiser começar por oferecer purés à colher, precisamos apenas que o bebé perca o reflexo de extrusão (isto é, que não empurre a colher para fora da boca com a língua) e o vedamento labial, e que consiga permanecer sentado numa posição estável, segurando a cabeça sem precisar de apoio. (2)
Se os pais quiserem oferecer alimentos em pedaços para o bebé agarrar com as mãos e levar à boca sozinho, terão de esperar pelos 6 meses para ter coordenação olhos-mão-boca. (2)
Ou seja, o momento ideal para iniciar a introdução alimentar vai depender do desenvolvimento neuro-motor do bebé e da forma como a família pretende que os alimentos sejam oferecidos numa fase inicial (em puré ou em pedaços).
Ordem de introdução de paladares
Os bebés nascem com uma preferência natural pelo sabor doce para que aceitem o leite, mas se não contrariarmos essa preferência, aumentamos a probabilidade de a criança vir a desenvolver mais tarde excesso de peso, obesidade e/ou diabetes. (2)
Ao começar pela papa ou pela tradicional sopa de cenoura, abóbora e batata-doce (ambas com um paladar bastante doce), aumentamos a probabilidade de o bebé rejeitar depois sopas ou alimentos com paladar menos doce (ex.: brócolos, nabo, kiwi, iogurte natural).
Por isso, vamos focar-nos em ensinar o bebé a gostar primeiro do amargo e do ácido, aceitando uma grande variedade de legumes e frutas com sabores pouco doces, e só depois então ponderar (ou não) a oferta de uma papa caseira ou industrial não-láctea, sem açúcares adicionados nem sabores (ex.: fruta, bolacha).
Os diferentes métodos de introdução alimentar
Atualmente parecem existir dois principais métodos de introdução alimentar – o “BLW” (guiado pelo bebé ou autoalimentação) e o “tradicional” (guiado pelos pais, à colher) – e os pais sentem-se muitas vezes pressionados a escolher apenas um deles, como se a coexistência de ambos não fosse possível.
Na realidade, nenhum método é melhor que o outro, ou ideal. Não pode existir um conjunto de regras que se aplique de igual forma a todas as famílias, porque todas as famílias têm necessidades e características diferentes.
Método “tradicional”
Apesar de não haver uma definição e regras fixas para os diferentes “métodos” de introdução alimentar, regra geral associamos este método a um bebé que é alimentado apenas pelos cuidadores alimentos em puré (à colher) até aos 12 meses, com uma ordem fixa de introdução de certos alimentos, normalmente sob a orientação do médico ou enfermeiro.
Contudo, para garantir um adequado desenvolvimento oro facial e da fala e a aceitação de frutas e vegetais mais tarde, mesmo que o bebé que comece a introdução alimentar seguindo o método “tradicional”, este deve estar a comer de forma autónoma alimentos em pedaços e a beber água sozinho através de um copo aberto aos 10 meses. (2,3)
Método BLW
De uma forma simplista, tendemos a associar o método BLW ao bebé que come apenas com as mãos alimentos moídos, picados ou em pedaços maiores, compartilhando os momentos de refeição em família. (2,3)
Mas não tem de ser necessariamente assim. Quando este método foi criado, o intuito era de facto promover o respeito pela autonomia e sinais de saciedade do bebé. (4)
Contudo, um bebé que siga um método “BLW” pode perfeitamente comer também purés, seja de forma autónoma (com o recurso a uma pré-colher) ou oferecidos pelos cuidadores.
Aliás, diria até ser desejável que o bebé coma iogurte natural e sopa de legumes à colher durante o primeiro ano de vida, para garantir que aceitará estes alimentos ao longo de toda a infância.
Método BLISS
Por ser essencialmente guiado pelo bebé, muitos profissionais de saúde associavam o método BLW a um grande risco de asfixia, baixo aporte de ferro e nutrientes e défice de crescimento. (5)
Deste modo, em 2015 foi conduzido um estudo na Nova Zelândia que deu origem a uma versão modificada do BLW, denominada “Baby-Led Introduction to Solids” (BLISS). (6)
Este novo método destaca especificamente a importância de:
- Fornecer alimentos ricos em ferro e em energia;
- Evitar alimentos que possam constituir um risco de asfixia.
Regras base para uma introdução alimentar respeitadora e segura
Já foram conduzidos vários estudos que compararam o risco nutricional e de engasgo entre os diferentes métodos de introdução alimentar e, atualmente, a conclusão geral é que, se fornecermos toda a informação necessária, eles são igualmente seguros. (7)
Por isso, independentemente do “método” escolhido, o importante é que nunca sejam oferecidos alimentos em pedaços antes dos 6 meses, que garantam a evolução atempada das texturas para promover o treino da mastigação (por volta dos 8-9 meses), que respeitem sempre os sinais de fome e saciedade do bebé e forneçam aos pais toda a informação necessária para diminuir o risco de engasgo (ex.: postura correta na cadeira, cortes e texturas seguros, alimentos com maior risco de engasgo, diferença entre reflexo de gag e engasgamento e o que fazer em cada situação). (3,7)
Postura correta na cadeira: costas verticais, tabuleiro à altura dos cotovelos, joelhos a um ângulo de 90º e pés apoiados;
Cortes seguros: pedaços maiores para agarrar com o movimento de garra entre os 6 e os 9 meses e pedaços mais pequeninos para agarrar com o movimento de pinça a partir dos 9 meses;
Textura segura: capaz de se desfazer facilmente em puré de uma só vez ao esmagar com o indicador contra o polegar;
Alimentos com maior risco de engasgo: pedaços de carne rija, de queijo ou salsicha, peixe com espinhas, frutos/vegetais duros ou crus (ex.: maçã, cenoura, pera), frutos redondos inteiros (ex.: uvas, cerejas, mirtilos), frutos gordos inteiros ou em manteigas com pedaços, sementes oleaginosas inteiras, miolos ou especiarias secas/soltos que possam ser aspirados, pipocas e pastilhas elásticas.
Reflexo de GAG: mecanismo protetor do engasgo em que o bebé consegue chorar e emitir sons, fica avermelhado e agitado, mas tosse com facilidade (parece estar a vomitar) e coloca a língua de fora com a boca aberta, conseguindo por si só colocar o alimento para fora ao cuspir. É muito importante não mexer no bebé, manter a calma e deixá-lo resolver a situação por si, caso contrário pode assustar-se e passar a uma situação de engasgamento.
Engasgamento: Obstrução total ou parcial da via aérea com um alimento. O bebé não respira, não emite sons, não chora nem tosse, começa a ficar azulado e agita a cabeça e os braços. É um evento silencioso, pelo que um bebé até aos 2 anos deve comer sempre vigiado. Muito importante ligar ao 112 e começar de imediato a manobra de desengasgamento do bebé.
Tendo tudo isto em conta, resta-te adaptar todas estas recomendações acerca da introdução alimentar à família que tens em consulta: aos sinais de prontidão, desenvolvimento neuro motor e idade do bebé, aos receios e expectativas dos cuidadores, se o bebé está em casa ou na creche, o que os pais gostariam de fazer e aquilo que é possível ser feito, etc.
Não te sintas pressionado a escolher apenas um “método de introdução alimentar” para recomendares em consulta. Quanto mais flexível fores, mais as famílias beneficiarão do teu acompanhamento.
Referências bibliográficas
- Fewtrell, M. (2015). Complementary Foods. In: Koletzko B, et al (eds): Pediatric Nutrition in Practice. World Rev Nutr Diet. Basel, Karger, 113: 109-111. https://doi.org/10.1097/01.mpg.0000304464.60788.bd.
- PNPAS. (2019). Alimentação Saudável dos 0 aos 6 anos – Linhas De Orientação Para Profissionais e Educadores.
- Fewtrell, M., Bronsky, J., Campoy, C., Domell.f, M., Embleton, N., Fidler Mis, N., et al. (2017). Complementary Feeding: A Position Paper by the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition (ESPGHAN) Committee on Nutrition. Journal of pediatric gastroenterology and nutrition, 64(1), 119–132. https://doi.org/10.1097/MPG.0000000000001454.
- Rapley, G. (2015). Baby‐led weaning: The theory and evidence behind the approach. J Health Visit. 3(3):144‐151. https://doi.org/10.12968/johv.2015.3.3.144.
- Daniels, L., Taylor, R. W., Williams, S. M., Gibson, R. S., Samman, S., Wheeler, B. J., et al. (2018). Modified Version of Baby-Led Weaning Does Not Result in Lower Zinc Intake or Status in Infants: A Randomized Controlled Trial. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, 118(6), 1006–1016.e1. https://doi.org/10.1016/j.jand.2018.02.005.
- Cameron, S. L., Taylor, R. W., & Heath, A. L. (2015). Development and pilot testing of Baby-Led Introduction to SolidS—a version of Baby-Led Weaning modified to address concerns about iron deficiency, growth faltering and choking. BMC pediatrics, 15, 99. https://doi.org/10.1186/s12887-015-0422-8.
- Correia, L., Sousa, A. R., Capitão, C., & Pedro, A. R. (2024). Complementary feeding approaches and risk of choking: A systematic review. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 1–9. https://doi.org/10.1002/jpn3.12298.